sábado, 29 de maio de 2010

"Números de Circo"

Caros amigos,

Hoje deixo-vos um artigo de Miguel Sousa Tavares do Jornal Expresso. Neste artigo de 2009, Sousa Tavares expõe a sua opinião sobre a presença de animais em Circos e de todo este exagero em relação à protecção dos animais.

Vale a pena lerem...

"A Assembleia da República votou nesta quinta-feira (depois de eu entregar este texto) duas iniciativas legislativas que visavam proibir a utilização de animais pelas companhias de circo. O PCP e Os Verdes fizeram votar um projecto de lei para proibir a utilização no circo de quaisquer animais - "domésticos" ou "selvagens". A proposta é gradual: os "símios" começam por ser entregues ao Estado no prazo de seis meses e os outros vão-no sendo aos poucos ou esterilizados - contra indemnização a pagar pelo Zé Contribuinte. Tal como a recente moda dos concelhos "livres de touradas" ou as propostas dos defensores da proibição da caça, estes projectos circenses dos comunistas assentam numa lógica imbatível: extintas as espécies 'maltratadas', acabam-se os 'maus tratos'. Esterilizados os elefantes e os tigres, extintos os touros bravos, por falta de objecto, entregue a caça aos predadores (sim, a natureza é horrível: não são só os homens que caçam perdizes, também os javalis, as raposas, as cobras, as águias, os saca-rabos, etc.), acabam-se oficialmente os maus tratos contra animais em Portugal.

Já o Bloco de Esquerda ficou-se por uma recomendação ao Governo para que proíba apenas o uso de "animais selvagens" nos circos, concedendo um prazo de três anos para que estes sejam "reconduzidos a locais adequados". Esta é, aliás, a maior fragilidade da iniciativa do BE: partindo do princípio óbvio de que eles não querem tirar os animais aos circos para os encarcerar numa jaula de 10 metros quadrados de um zoo, qual será o "local adequado" para soltar em liberdade os tigres e elefantes do Chen ou do Cardinalli - a serra da Malcata, o Parque Nacional do Gerês?

Há coisas que persistem em fazer-me alguma confusão, embora ultimamente haja poucas coisas ainda capazes de me surpreender. Por exemplo: o mundo foi posto em estado de histeria colectiva contra a gripe suína, originada numa pocilga industrial do México, explorada pela rede das Granjas Carroll, propriedade da multinacional americana Smithfield Foods, o maior produtor mundial de porcos. E parece (mas isto jamais será convenientemente provado) que o que causou a gripe foram as condições aberrantes em que os porcos são criados. É assim ali e é assim no mundo inteiro, Portugal bem incluído: toda a gente sabe como nas suiniculturas industriais os porcos são tratados abaixo de porco, sabemos que elas são, entre nós, a maior causa de poluição de rios e aquíferos e, sabemos agora, que até podem causar epidemias à escala planetária. Eu já vi, que me lembre, duas destas 'unidades industriais' de criação de porcos no concelho de Sintra. Assim como já lá vi, e em Cascais também, planos de urbanização e construções mais selvagens que os tigres do Circo Chen e que retiram - às pessoas, não aos animais! - condições de vida com qualidade e, às vezes até, com dignidade. Mas o que preocupa Sintra e Cascais, pelos vistos, é declarar-se "concelho livre de touradas" - como há uns anos e sem estremecerem com o ridículo se declaravam "concelhos livres de armas nucleares". Pois, mas o porco é um animal doméstico que se destina ao consumo humano (o touro bravo e a perdiz também se comem...). Por isso, e tirando aquela bárbara tradição da matança do porco na aldeia (graças à qual ainda se encontram às vezes enchidos sem sabor a supermercado), ninguém está interessado em saber como é que se matam os porcos nessas fábricas de comida - e é melhor não saberem. Sorte e coerência tem o Afeganistão, que Maomé abençoou com a proibição de comer carne de porco e onde o mandamento é levado tão à letra que, em todo o país, só há um porco, que vive, para amostra, no zoo de Cabul - onde, aliás, já foi posto em precavida quarentena, não vá apanhar a gripe com o vento que passa. Ali, as únicas entidades que são abençoadamente mortas e esquartejadas são as vítimas dos talibãs.

Agora, querem que deixemos de poder ver animais no circo. Eu gosto muito do Cirque du Soleil e afins, mas também gosto do circo da aldeia, que enchia de excitação e de alegria todas as aldeias e todas as crianças do mundo. O primeiro elefante que vi na vida foi num circo e, quando os meus pais me levaram um dia a ver o Circo de Moscovo, de visita a Lisboa, foi a única vez, até hoje, em que vi um urso. Não sei o que seja um circo sem os domadores de leões, sem os tigres a atravessarem anéis de fogo, sem os elefantes a passearem-se pela pista, sem os acrobatas hípicos. Acho muito bem que a Veterinária e a Direcção de Espectáculos vigiem as condições em que os animais são tratados nos circos. Mas é preciso exterminá-los?"


Comentem e dêem a vossa própria opinião!


Com os melhores cumprimentos,

Gonçalo Teixeira Diniz

2 comentários:

  1. Sublinho!
    Sousa Tavares muito bem ao caricaturar a nova realidade circense depois da portaria. Quem sabe se daqui a uns tempos, não existem uma espécie de talibãs, a esquartejar pessoas, mas desde que os animais sejam intocáveis...

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  2. Queridos Gonçalo e Carolina,

    continuam a desenvolver um óptimo trabalho. Gostei particular-me deste post, bem como do seguinte. Já sabem a minha opinião relativamente à importância da divulgação dos "atentados culturais" que têm vindo a ser cometidos, tal como no que diz respeito às pessoas que sustentam o provérbio "o mais cego é aquele que não quer ver".

    Sempre a torcer por vocês,

    Maria João Lopes

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